Descrição Geral: A sede municipal está localizada a cerca de 180 km a leste da cidade do Rio de Janeiro. Do ponto de vista da geodiversidade e biodiversidade, o município pode ser dividido em duas áreas: uma delas forma uma península com seus costões rochosos que ornamentam 23 belas praias; e a outra se destaca por sua importante planície alagada no interior. Ambas possuem vegetação específica e diferenciada. Sua principal atividade econômica é o turismo. Búzios é considerado um dos balneários mais charmosos do mundo, com uma gastronomia, artesanato e comércio de grande qualidade. No entanto, a simpatia de seus moradores, a beleza primitiva de suas praias, alagados, fauna e flora, são incríveis atributos que destacam a simplicidade e a grandiosidade da natureza local.
Geologia: As rochas do município são especialíssimas! Particularmente importantes são aquelas que se parecem com mil folhas e ocorrem nos costões de muitas das praias da península. Ao serem estudadas, identificou-se que faziam parte da base de uma gigantesca cadeia de montanhas há 520 milhões de anos. Este é um dos registros da colisão de massas continentais que formaram o supercontinente Gondwana, semelhante ao que ocorre hoje no Himalaia. Hoje a maior altitude do município não ultrapassa 200 m. O processo de formação de montanhas é denominado orogenia. Nestas rochas foi datado o último evento de colisão entre a África e a costa brasileira. Os geólogos a denominaram de Orogenia Búzios.
Histórico: O pioneiro nome de batismo português da península foi “Ponta dos Búzios”, devido à presença de numerosas conchas de grandes moluscos gastrópodes em suas praias. Estas conchas eram utilizadas como adorno e buzina. Naqueles tempos prenunciavam os combates e, até 1965, ainda podia ser ouvido o som das buzinas, dos vendedores de peixe, anunciando a mercadoria fresca pelas ruas da península. Sambaquis foram descritos na região, indicando que antes dos tamoios, a região já era ocupada por populações mais antigas. Essa palavra de origem tupi-guarani significa “amontoado de conchas” que, em conjunto com numerosos artefatos de rochas, ossos, espinhos, entre outros, dão indicação do modo de vida pré-histórico. No século XVI, quando chegaram os primeiros exploradores europeus à região, a área ainda era ocupada pelos tamoios, que praticavam a pesca, a caça e o cultivo de mandioca. A Praia de Caravelas ganhou este nome porque ali teriam aportado as primeiras embarcações no Cabo Búzios. A precária presença portuguesa em Búzios favoreceu a estadia episódica de embarcações francesas e inglesas no porto da península. Segundo historiadores, o ancoradouro na Ilha do Caboclo serviu como apoio terrestre às longas viagens transoceânicas, base naval de pirataria contra a navegação portuguesa e espanhola, e tráfico de pau-brasil que se fazia com a ajuda de jesuítas e índios catequizados. Também se caçavam baleias para a extração de seu óleo, que era usado tanto para a iluminação da cidade do Rio de Janeiro (também usado para argamassa das construções) quanto para exportação. Com a construção da Armação das Baleias de Búzios, estabelecimento comercial, passa a ser incorporado o vocábulo “Armação dos Búzios”. Os ossos dos animais capturados eram enterrados numa praia situada ao lado da Praia da Armação e que, por isso, acabou por ser chamada Praia dos Ossos. Em meados do século XVII, o município era uma pequena vila de pescadores e caiçaras, com cerca de vinte casas. Durante a década de 1950, a Praia da Armação foi o sítio preferencial das primeiras residências de veraneio, visto que algumas famílias da burguesia – atraídas pela beleza paradisíaca, exuberância da caça submarina e proximidade relativa da cidade do Rio de Janeiro – começaram a frequentar a península e ocupar os antigos imóveis senhoriais da enseada portuária. Fato que todos registram é a temporada de férias da atriz Brigitte Bardot, em 1964. A presença em Búzios da mais famosa estrela do cinema francês foi noticiada exaustivamente pelos meios de comunicação nacionais e internacionais. Búzios era o 3° distrito do município de Cabo Frio até 12/11/1995, quando, por meio de plebiscito, foi emancipado pela decisão dos seus cidadãos, seguindo o processo que já ocorrera com Arraial do Cabo em 1985.
PRINCIPAIS GEOSSÍTIOS:
MANGUE DE PEDRA E PALEOFALÉSIAS DA PRAIA RASA
Localização: 22º43’56.63” S; 41º58’23.22” O
Descrição: O acesso a esta área se faz pela estrada que liga a Rodovia Amaral Peixoto a Búzios. Antigas falésias que foram ativas quando o nível do mar esteve cerca de três metros acima do atual há cerca de 5.100 anos A.P. Espessos pacotes de conglomerados da Formação Barreiras foram formados por leques aluviais condicionados pela movimentação da Falha do Pai Vitório (Morais et al. 2006), localizada nas proximidades. Importante também é a ocorrência do Mangue de Pedra da Praia Gorda, localizados após a colônia de pescadores da Praia Rasa. A existência deste ecossistema singular, um manguezal sobre rochas e longe de foz de rios, está associado à descarga de água doce do aquífero das paleofalésias. A localidade tem importância científica (paleoambiental, sedimentar, hidrogeológica, tectônica, geomorfológica e botânica), além de valor cultural pela presença de comunidades remanescentes de quilombolas na área.
PONTA DA LAGOINHA / FOCA / FORNO
Localização: 22º46’15.83”S; 41º52’41.94” O (coordenada da Ponta da Lagoinha)
Descrição: Em Armação dos Búzios, existem diversos painéis dos Caminhos Geológicos (Ponta da Lagoinha, Praia de Geribá, Orla Bardot e Pórtico Turístico) tratando da amalgamação e quebra do Gondwana, porque nas rochas ali expostas foi datada a Orogenia Búzios (Schmitt 2001). Na região da Lagoinha, Foca e forno existem espetaculares feições e paisagens. São rochas foliadas e dobradas, demonstrando as altas pressões e temperaturas a que foram submetidas no episódio de colisão. Aí se encontra a sessão-tipo dos paragnaisses Búzios, com seus minerais de alto grau metamórfico e uma rara estrutura de pseudomorfo de sillimanita sobre cristais de cianita. Os painéis localizados no costão ajudam a reconhecer minerais e estruturas. Estas rochas foram sedimentos em um mar que se fechou entre 500 e 520 milhões de anos, período da colisão continental. Esta região é das mais belas de Búzios e não se deve deixar de conhecer a Praia do Forno, com suas areias rosadas pela presença do mineral granada, muito abundante nas rochas do costão. Também, na Praia da Foca, pode-se observar uma brecha tectônica silicificada representativa de falhamento, diques e um pequeno mangue de pedra.
PONTA DO MARISCO – Praia de Geribá
Localização: 22°47’03.1” S; 41°55’01.6” O
Descrição: A Ponta do Marisco está localizada na porção sudoeste da praia de Geribá, sendo considerada uma verdadeira sala de aula a céu aberto. É um lugar de interesse geológico por seu valor científico e grande potencial didático e geoturístico. Conta também com uma paisagem incrível que atrai muitos visitantes. As rochas da Ponta do Marisco representam dois grandes eventos importantes que caracterizam a Geologia de Búzios. Há cerca de 520 milhões de anos ocorreu uma colisão continental, que deu origem ao Supercontinente Gondwana, onde América do Sul, África, Índia e Austrália se uniram numa única massa continental. Durante eventos de colisão, as rochas sofrem deformações provocadas pelas condições de pressão e temperatura muito elevadas. Essas modificações podem ser observadas através da estrutura foliada das rochas mais antigas da Ponta do Marisco. Essa foliação se forma quando os minerais em forma de placa ou agulhas se orientam em uma direção preferencial por causa da pressão, fazendo com que a rocha tenha um aspecto de “mil-folhas”, dado pelos planos onde estes minerais se localizam. Destacam-se, também, duas rochas diferentes nesse conjunto: ortognaisses e ortoanfibolitos. O prefixo “orto” é atribuído às rochas que, antes de serem metamórficas, eram ígneas. Cerca de 400 milhões de anos depois, esse supercontinente se quebrou, originando a formação do Oceano Atlântico com a separação das placas tectônicas Africana e Sul-Americana. No início da quebra são geradas falhas e fraturas nas rochas existentes por onde o magma (rocha fundida), que se encontrava em profundidade, ascende até a superfície. Ao encontrar rochas frias ou chegar mais perto da superfície, ele se resfria, cristalizando-se nesses espaços vazios para formar o que conhecemos como diques. Diques são estruturas tabulares (em forma de tábua), encaixados na rocha mais antiga, denominada rocha encaixante. A rocha ígnea formada é denominada diabásio e a estrutura é classificada como dique de diabásio. Diabásio é uma rocha ígnea vulcânica, ou seja, cristaliza-se mais próximo à superfície, resfriando-se muito rapidamente, de forma que os minerais da rocha não possuem tempo para se desenvolverem em cristais bem formados e, por isso, não os vemos a olho nu. A rocha é escura, pois sua composição é rica em ferro e magnésio. Inclusive, possui magnetita, um mineral magnético. Estando em Geribá, leve um ímã, encoste na rocha e sinta a atração magnética resultante. Algumas vezes, quando o magma ascende nas falhas e fraturas, pedaços da rocha encaixante são englobados no dique. Observam-se no dique da Ponta do Marisco muitos fragmentos do ortognaisse, rocha mais clara, dentro do dique de diabásio. No local foi implantado um painel do Projeto Caminhos Geológicos, onde existem informações importantes sobre a história geológica do local e a descrição das rochas lá encontradas. Ao visitar a Ponta do Marisco, você poderá aproveitar um incrível passeio, um belo banho de mar e resgatar parte da memória da Terra presente neste conjunto de rochas tão especial!
Referências: Departamento de Recursos Minerais do Estado do Rio de Janeiro (DRM-RJ)
PRAIA DE JOSÉ GONÇALVES
Localização: 22°48’37.19” S; 41°56’32.30” O
Descrição: A Praia de José Gonçalves integra o Parque Estadual da Costa do Sol, criado em 2011 e gerido pelo INEA (Instituto Estadual do Ambiente), e que tem como objetivo a preservação dos ecossistemas locais especiais, inclusive sítios de importância geológica. Seu nome faz referência a um suposto traficante de escravizados que utilizava o local para os desembarques ilegais dos navios vindos da África, mesmo após sua proibição pela Lei Eusébio de Queirós, em 1850. As rochas que compõem os costões que circundam a praia são muito antigas (2 bilhões de anos) e foram deformadas durante a colisão que formou o supercontinente Gondwana há cerca de 600-500 milhões de anos. Esta deformação é vista pelo aspecto foliado das rochas. Há 130 milhões de anos Gondwana se fragmentou formando a África e a América do Sul, deixando também registros na Praia de José Gonçalves. É possível identificar três tipos de rochas no costão. A rocha predominante, com 2 bilhões de anos, é a mais clara, foliada e recebe o nome de gnaisse. Encontramos, também, uma rocha verde bem escuro com grãos minerais mais grossos, denominada anfibolito, também com 2 bilhões de anos. Ela ocorre esticada e rompida, como se fossem salsichas alinhadas. Essas estruturas são denominadas boudins. Os boudins ocorrem porque tipos de rocha se deformam de maneira diferente quando sofrem uma tensão em temperaturas elevadas. Por exemplo, se você pressionar uma barra de chocolate, ela pode quebrar se estiver fria, mas se estiver quente, quase derretendo, ela estica. Note que a camada escura é mais resistente à deformação do que as bandas cinzas e brancas do gnaisse, logo ela quebra e gera o boudin. Outro tipo se apresenta como faixas pretas de grãos bem finos e são rochas ígneas, denominadas diabásio. Ocorrem na forma de diques, que são estruturas tabulares (como tábuas), cortando os gnaisses. Registram o início da abertura do Oceano Atlântico, com a quebra do Gondwana há aproximadamente 130 milhões de anos. Atrás da Praia de José Gonçalves, coberta pela vegetação, há uma parte mais alta que chamamos de “terraço”, onde ocorrem fragmentos rochosos arredondados. Terraços de construção marinha geralmente são constituídos por areia e fragmentos de conchas de moluscos. São formados pela ação das ondas sobre os sedimentos das praias e constituem importantes registros das variações do nível do mar no passado. O terraço de José Gonçalves se formou quando o nível do mar estava mais alto que o atual e as conchas presentes foram datadas em cerca de 2.600 anos. Uma característica notável e incomum deste terraço é a presença de grandes fragmentos rochosos compostos por diabásio (predominante), anfibolito, gnaisse e quartzo, provenientes da erosão dos costões rochosos adjacentes à praia. A forma arredondada desses fragmentos de rochas mostra o intenso trabalho das ondas, desgastando-as por muito tempo. Um painel do Projeto Caminhos Geológicos foi implantado na praia em junho de 2022.
Referências: Praia de José Gonçalves – Geodiversidade Decifrada. Painel do Projeto Caminhos Geológicos. DRM-RJ. Autoria – Estudantes de Geologia Luan Dias e Gabriele Ferreira, extensionistas do Projeto Geoparque Costões e Lagunas do RJ – Projeto de Extensão PR-5 da UFRJ. Professores – Renata Schmitt, Renato Ramos e Kátia Mansur (UFRJ). Revisão: Felipe Abrahão Monteiro.
PRAIA DO FORNO
Localização: 22°45’40.2” S; 41°52’31.2” O
Descrição: A bela enseada da Praia do Forno destaca-se por sua areia cor-de-rosa e costões rochosos. É importante que se perceba a relação existente entre essas areias e rochas peculiares. O aspecto de “mil folhas” da rocha do costão é explicado pelo fato dela ter passado pelo processo de metamorfismo há cerca de 500 milhões de anos, quando pressões e temperaturas associadas a um ambiente geológico, cuja profundidade é calculada em cerca de 9 km, levou à geração de minerais específicos dessas condições. Naquela época a região se encontrava em situação tectônica semelhante àquela existente hoje na base da Cordilheira dos Himalaias. Assim, ocorre essa rocha metamórfica, foliada e dobrada, cujos minerais mais comuns em sua composição são quartzo, feldspato, biotita, granada, sillimanita e cianita. Maiores detalhes sobre a origem geológica dessas rochas e sobre os principais minerais nela presentes podem ser obtidos nos painéis do Projeto Caminhos Geológicos do DRM-RJ, em especial naqueles relativos à Ponta da Lagoinha, localizada bem perto da Praia do Forno. Após 500 milhões de anos, muitos processos internos e externos, entre eles a quebra do Supercontinente Gondwana e a respectiva separação entre a África e a América do Sul, trouxeram estas rochas à superfície. Como elas se formaram em altas pressões e temperaturas, há um desequilíbrio químico e físico quando os minerais entram em contato com as condições ambientais vigentes e, assim, começam a sofrer um processo de alteração que é denominado intemperismo. Chuva, vento, sol, ondas, raízes de plantas, ácidos no solo e muitas outras intempéries fazem com que os minerais, alguns mais do que outros, se transformem para formas mais estáveis às novas condições. Assim, a rocha vai se desagregando, ou seja, vai sendo erodida e os minerais mais alterados, ou não, são transportados (por ventos, rios, geleiras, etc.) na forma de sedimentos (partículas). Quando se observa em lupa a areia da Praia do Forno, nota-se uma alta concentração do mineral granada, que é vítreo e de cor vermelha e rosa. Seu nome deriva do latim granatus (grão) de onde também foram baseados os nomes granada (em espanhol) ou pomegranade (em inglês), referindo-se à fruta romã, cujos grãos são arredondados e avermelhados. Em geral, nas areias das praias há predomínio do mineral quartzo, que é vítreo e incolor. No entanto, ele é mais leve (menos denso) que a granada. Assim, pelo lento trabalho das ondas, o quartzo é retirado da praia e levado para o mar, enquanto a granada, mais densa, permanece na praia em alta proporção. Assim é explicada a cor da areia da praia e os processos da dinâmica interna e externa que modelam a belíssima paisagem da região, que é tombada como patrimônio cultural do Estado e também faz parte do Parque Estadual da Costa do Sol. No Espaço da Geodiversidade, localizado na Casa Sustentável de Armação dos Búzios (Estr. da Usina Velha, 600 – Centro), existe uma exposição das areias de todas as 23 praias de Búzios. Durante a visita, vale observar os diferentes tipos de areias em termos de composição e granulometria. Uma rica geodiversidade a ser explorada!
NASCENTE DO QUILOMBO DA BAÍA FORMOSA
Localização: 22°46’06.4” S; 42°00’09.5” O
Descrição: A Nascente do Quilombo da Baía Formosa é um geossítio muito significativo para a preservação da história dessa comunidade remanescente quilombola. Serviu durante muito tempo como fonte de abastecimento de água para os povos africanos escravizados que foram trazidos para essa região do Brasil. Além de sua importância cultural, pela preservação da memória do dia-a-dia do Quilombo, a nascente é resultado de um conjunto de processos geológicos muito interessantes que tornam essa região peculiar e muito relevante na área do nosso Geoparque. Esta combinação de fatores também aponta para a possibilidade de inserção da localidade no projeto de turismo étnico-ecológico desenvolvido pelo Quilombo. A população remanescente do Quilombo da Baía Formosa, originalmente, veio escravizada para o Brasil e se refugiou nessa região, formando essa comunidade que se sustentou durante anos em coletividade e harmonia, colocando em prática diariamente os costumes trazidos da África. Em 2011, foi fundada a Associação dos Remanescentes do Quilombo da Baía Formosa, reconhecida no ano seguinte pela Fundação Cultural Palmares. Desde então, os integrantes participam de movimentos socioculturais através, por exemplo, da culinária e do turismo, que tem como foco a disseminação e fortalecimento da cultura quilombola. Desde a sede da Associação, na região conhecida como Fazendinha, no município de Armação dos Búzios, o percurso até a nascente se faz por caminhada de cerca de 6 km em meio à vegetação de restinga e algumas lagoas. A vasta planície é marcada, também, por algumas áreas onde a vegetação é mais exuberante e úmida. Este é o caso da área da nascente. A formação de uma nascente se dá quando a superfície do terreno intercepta a do lençol freático. Já o lençol freático é definido pelo nível alcançado pela água mais próximo da superfície do terreno. A água ocupa os espaços vazios entre os grãos dos sedimentos, solos ou entre as fraturas das rochas presentes. A nascente dos quilombolas surge de maneira inesperada. Em meio à planície formada por sedimentos marinhos e lagunares, depositados há cerca de 5 mil anos quando o nível do mar esteve quase 3 metros acima do atual, há um afloramento de rocha em meio a uma pequena floresta. Esta rocha é um gnaisse (rocha metamórfica), cuja idade foi calculada em cerca de 2 bilhões de anos, e são chamadas de rochas do embasamento cristalino. Trata-se das rochas identificadas como sendo parte do terreno africano que ficou retido no Brasil, quando da separação da América do Sul e da África. A água das chuvas se infiltra nas areias da grande planície e migra através dos poros até chegar às rochas do embasamento, percolando ao longo de suas fraturas. Essa água circula pelas fraturas até surgir na superfície, no local da nascente, porque atinge uma fratura que está conectada com a superfície. Com o passar do tempo, ela foi alterando a rocha e hoje podem ser vistos dois “olhos d’água”, buracos, um com 3 m e outro com 80 cm de profundidade. Segundo os quilombolas, ela nunca secou. Análises de parâmetros físico-químicos da água realizadas pela equipe do Projeto de Extensão da UFRJ, para construção do Geoparque Costões e Lagunas do RJ, indicaram muito baixa salinidade e pH próximo ao neutro. Deste trabalho resultou a produção de um painel interpretativo sobre a nascente e um sobre outra localidade de interesse cultural para o Quilombo. Os dois painéis foram entregues aos membros do quilombo em atividade de compartilhamento de saberes e podem ser acessados em nosso website. Hoje, eles podem associar a geologia em suas atividades. Talvez, um dos aportes de conhecimento mais importantes que nosso projeto pôde fazer ao Quilombo da Baía Formosa foi a discussão sobre a evolução geológica das rochas do embasamento onde está localizada a nascente. Os gnaisses pertencem ao denominado Terreno Cabo Frio, inserido totalmente no território do nosso Geoparque. Estas são consideradas rochas africanas que caprichosamente se mantiveram coladas ao continente sul americano após a separação há 130 milhões de anos. Esta ligação geológica reforçou, também, o senso de pertencimento ao território atual do Quilombo porque ligou as rochas daqui à ancestralidade africana. O Quilombo da Baía Formosa, em termos geológicos, está na África!
PONTA DO PAI VITÓRIO
Localização: 22°43’56.305” S; 41°57’21.496” O
Descrição: A Ponta do Pai Vitório, em Armação dos Búzios, é um desses locais marcados por sua beleza cênica e riqueza de histórias e lendas. Também possui alto valor científico e, atualmente, é um dos locais mais visitados por turistas na região. Segundo relato da saudosa Dona Uia, que foi uma importante liderança que guardava a memória do Quilombo da Rasa, existem duas lendas acerca deste local. Ela era neta de pescador africano e residiu na Rasa durante toda sua vida. Ambas se iniciam com um naufrágio ocorrido próximo à Praia da Rasa, que era um ponto de entrada de escravizados, mesmo depois que o tráfico foi proibido em 1850. Na primeira narrativa, conta-se que uma embarcação vinda da África Ocidental e chamada de Pai Vitório foi afundada pela armada inglesa, próximo ao rochedo que recebeu esse nome. Os sobreviventes fugiram para a mata da Rasa. A segunda lenda relata que houve apenas um único jovem negro sobrevivente que ficou conhecido como Pai Vitório por causa da nau afundada. Ele se transformou em um padre rezador de origem africana, milagroso e respeitado. No costão rochoso que hoje leva o seu nome, Pai Vitório acendeu uma lâmpada para evitar naufrágios e salvar vidas. A Ponta do Pai Vitório é uma importante falha geológica, marcada pela sua orientação que se prolonga até a ilha Feia. As falhas são estruturas geológicas que retratam movimentos entre os blocos de rochas, geradas pelas forças internas do nosso planeta (forças tectônicas). Durante sua formação, as falhas produzem terremotos. Podemos reconhecer uma falha quando encontramos lado a lado rochas com idades muito distintas ou, então, por identificarmos deslocamentos em conjuntos de rochas que deveriam estar em continuidade. O caso da Falha do Pai Vitório é aquele que põe em contato rochas com idades e origens muito distintas. A falha do Pai Vitório apresenta um grande rejeito, onde rochas metamórficas bem antigas, com cerca de 2 bilhões de anos, estão em contato direto com rochas sedimentares, formadas por intercalações de areias e cascalhos de origem fluvial com possível idade relacionada ao Plioceno (entre 5 e 2,5 milhões de anos). A falha do Pai Vitório marca o limite sul do evento tectônico que gerou o Graben de Barra de São João. Graben é uma estrutura geológica de origem tectônica formada quando movimentos combinados de falhas afundam uma área em relação à outra. Além destas evidências durante o movimento de alguns tipos de falhas, a rocha envolvida no movimento pode ser fragmentada/moída, gerando outros tipos de rocha como as brechas e cataclasitos. Os fragmentos são unidos por fluidos ricos em sílica (óxido de silício) mobilizada durante o processo. Estudos das brechas e cataclasitos da Falha do Pai Vitório mostram que já ocorreram pelo menos quatro fases de reativação sucessivas. É um lugar verdadeiramente espetacular com importantes estudos científicos realizados, sendo também utilizado para excursões de universidades e eventos nacionais e internacionais. Mas, também permite trazer à tona a história do Quilombo da Rasa e faz a alegria de todos que podem se banhar nas águas tranquilas protegidas pela Ponta/Falha do Pai Vitório.
Referências: Mohriak, W.U.; Barros, A.Z. 1990. Novas evidências de tectonismo cenozóico na região sudeste do Brasil: o graben de Barra de São João na plataforma continental de Cabo Frio, Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Geociências, 20(1-4):187-196 | Rubin, I.N.; Almeida, J.C.H.; Valladares, C.S. 2003. Falha do Pai Vitório: Anatomia do limite de um graben. VIII Simpósio de Geologia do Sudeste, São Pedro, SP, p. 89 | Rubin, I.N.; Almeida, J.C.H. Petrografia de Brechas Tectônicas – Um Modelo de Descrição e Classificação. 2003. In: III International Symposium on Tectonics, Armação de Búzios. Boletim de Resumos. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Geologia, 1:149-152 | Schmitt, R.S. 2001. A orogenia Búzios – caracterização de um evento tectono-metamórfico no Domínio Tectônico Cabo Frio – sudeste da Faixa Ribeira. Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em Geologia, Departamento de Geologia, UFRJ. 271 p. | Costa, F.O. 2002. Análise Estratigráfica de Depósitos Continentais Cenozóicos na Região do Alto de Cabo Frio e sua Correlação ao Registro Sedimentar Paleogênico nas Bacias de Campos e Santos. Trabalho Final de Curso (Geologia), IGEO, UFRJ, 53p. | Morais, R.M.O.; Mello, C.L.; Costa, F.O.; Santos, P.F. 2006. Fácies sedimentares e ambientes deposicionais associados aos depósitos da Formação Barreiras no estado do Rio de Janeiro. Geologia USP, Série Científica, 6(2):19-30 | A Lenda do Pai Vitório
Um pensamento em “Armação dos Búzios”
Material maravilhoso.Parabéns a todos os envolvidos.